sexta-feira, 20 de julho de 2007

dormir sim, ir dormir não


o problema de ser maluco é que você corre o risco de morrer prematuramente e muito angustiado. o problema de não ser maluco é que você corre o risco de se conformar com sua mediocridade. resolvi deixar de ser ignorante pra ver se conseguia um pouco mais de prestígio com as garotas da pós-graduação. assisti uma série de filmes e li uma pancada de livro. não entendi nada. nem dos europeus, nem dos filósofos, nem das narrativas sem pé nem cabeça, nem das metáforas da sociedade atrasada e moderna. agora justifico o não-entender como mais valioso que entender a obra em si. quando a gente não entende, as coisas se mantêm confusas, e na confusão reside o improviso e o inusitado, o que torna as coisas mais emocionantes. agora, quando você entende a obra, faz com que você queira mostrar pros outros que entendeu, o que te torna meio arrogante e distante. sem contar aquele ar blasè insuportável de que tudo é evidente e desinteressante. que coisa! eu não tinha percebido, e quando percebi, confesso, achei interessante. a ignorância te atrapalha quando você está a pé e se depara com o carro do teu tio parado na calçada e provavelmente vai chover e daí você lembra que não sabe dirigir. também atrapalha quando você tem certeza que desenvolveria uma tese sobre o comportamento humano que revolucionaria os meios de produção e consequentemente a praxis social, buscando uma sociedade onde prestigío se dê pela capacidade de exercer o gozo da existência ao invés do acúmulo dos bens materiais na tua sala de jantar. mas daí, quando você percebe que você empacou na Escola de Frankfurt, que Freud tá começando a ficar esquisito e que Lacan assusta, bom, daí você fecha o livro e vê o que tá passando na Sessão da Tarde.
a ignorância é muito mais fiel que a solidão. esta última te dá uns perdidos quando você se vê emocionado com aquela poesia do Drummond e também resolve tomar um conhaque. a ignorância continua presente até aí, quando você leva um tempo pra perceber que aquela garrafa não é desrosqueando. por isso eu gosto de interruptor. você sempre tem cinquenta por cento de chance de acertar até decorar.
ignorância te atrapalha quando você não entende porque você é ingorante. pior ainda, quando não entende por que pessoas superiores a você lhe parecem mais ignorantes ainda. atrapalha também quando você tem um instrumento musical na sua frente e numa tentativa de tocá-lo você perturba as pessoas em sua volta. mas ignorância te ajuda quando você sai com seus amigos pra se divertir e no caminho vê uma série de mendigos e criancinhas mendiguinhas e realmente acha que você não tem nenhuma responsabilidade nisso.

2 comentários:

Anônimo disse...

sábia ignorância! curti o texto!
beijo,

Anelise Csapo disse...

A graça em ser loucura:

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.