terça-feira, 26 de junho de 2007


foda é uma palavra bem feia mas necessária. tem muita gente que é foda...e foda, é sempre um adjetivo ambíguo por natureza. creio que no fundo todo mundo que é foda, o é, nos dois sentidos. ser foda de muito bom, implica, de alguma maneira, nele ser foda num sentido ruim. Leonardo Da Vinci, por exemplo, era foda. pintor, arquiteto, engenheiro, mania de gênio. foda positivamente. mas, pros amigos do cara na época, o cara era foda no sentido ruim. imagine, o cara pra ser arquiteto, engenheiro, pintor e não-sei-mais-o-quê com um rendimento absurdamente produtivo, passava o dia inteiro em casa-castelo-mosteiro -- sei lá qual era o abrigo daquela época -- estudando. ele provavelmente nunca aparecia em nenhuma festa de aniversário, nenhum batizado de sobrinho, nenhum rolê pela feira de especiarias. tenta combinar alguma coisa com o Da Vinci pra você ver. o cara fura sempre, ele é foda.
isso também vale pro Copérnico. o cara é foda. foda mesmo. primeira ferida no ego da humanidade (Freud que disse, e esse sim, é foda num sentido plenamente-foda). o cara que descobre que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, numa época em que se acreditava em bruxas, dragões e Deus, é foda pra ca-ra-lê-o. porém, o cara pra descobrir isso deveria ser, no mínimo, obcecado pelo assunto. estudando a noite inteira todas as estrelas visíveis. anoitecia, montava a luneta e fiacava até amanhecer. estilo boêmio dos astros. vai tentar trocar idéia com o cara de dia. o cara é um sonâmbulo ambulante. você tá falando e o cara começa a dormir na tua frente. sem mais nem menos. o cara é foda. puta falta de educação...

outro dia, despretensiosamente, tive o prazer de ver o Riquelme jogar. o Riquelme é foda. o cara joga demais, ninguém tira a bola do pé dele; precisa juntar uns três pra dar uma prensa que sempre termina em falta. enquanto o Tuta é a negação de tudo que já se fez pelo futebol (pelo terceiro ano consecutivo ele ganhou seu próprio prêmio Nobel Tuta de Assassinato do Bom Futebol), o Riquelme decide e marca quando precisa. tudo com classe e sofisticação. craque é foda. porém, quem vê ele jogar e depois fica assistindo todos os replays no youtube, quer ter o gostinho de ser alguém na vida em algum momento e resolve fazer igual. lógico que não dá certo. daí, no seu jogo de fim-de-semana, na partida com os caras da faculdade, você pega a bola e tenta, de um modo circense, um efeito genérico de um drible do Riquelme, que obviamente não dá certo e você perde a bola de novo. o cara é foda. a gente tenta imitar ele e faz feio na frente dos amigos. lógico que a culpa é dele e de todo talento que ele tem que causa inveja.

essa minha tese vai causar um rebuliço nas editoras de livros de auto-ajuda. chega de "eu sei que eu posso, eu vou conseguir", ou "espere Saturno esbarrar a casa de Leão, e, após um banho de arruda procure fulana vestido de branco". agora quando o deprimido estiver convencido que ele é um merda de marca maior, apreciando minha tese saberá que, em algum lugar, no teu mais profundo âmago obscurecido e oprimido pelo teu padrasto, deve haver alguma qualidade que despontará como fodíssima para as futuras gerações. "ei, você de fato é um merda, você está certo disso, por isso você é foda: você é um excelente analista"
é mais ou menos por aí.
minha tese só não pode ser publicada ainda porque continuo procurando um foda positivo pro Tuta.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

nenhum substantivo rima com doce. antes fosse fosso que rima com moço


o tédio me faz pensar no sentido das coisas. na verdade, buscar um sentido é pura consequência, vai na inércia. mas conseguir encontrar é quase como ser promovido a presidente da sua empresa. quase como encontrar aquela dos sonhos, unanimamente escolhida pelo teu ego, superego e o id. pega e não larga mais, mesmo. eu bebo enquanto elas pensam. elas pensam o que quiserem enquanto eu bebo. enquanto eu bebo deixo de pensar numa porção de coisas. peço uma porção de qualquer coisa enquanto eu bebo. transar agora me dá doença e beber me dá uma diarréia triste. Dionísio me abandonou. fui entregue réu num tribunal cristão. minha pena é o trabalho compulsório que constrói -- enquanto só eu sei que destrói -- o homem. descalço nunca mais. agora só de sapato. meu curto cabelo expõe facetas de uma futura calvice. minha barba bem-feita permite me apresenta bem aonde não quero ser bem apresentado. a gravata estrangula e sufoca, mais que aquela pentelha. desligo o celular. deixo no bolso de uma calça que eu não uso mais. a lentidão do trânsito me faz pesar no sentido das coisas. sou interrompido ao dar meu lugar a uma velhinha. velhinhas são simpáticas quando saem de casa. as que ficam dentro são sofredoras e rabugentas. e cheiram aquele ar parado e viciado de velhos. ser velho é produzir o anti-feromônio, o hormônio da distância e do desapego. velhinhas simpáticas usam roupas coloridas e tem o cabelo roxo. agora em pé penso tudo de novo. esqueço do meu ponto de descida, do meu ponto de batida, do meu ponto na tabela do funcionário do mês. ainda bem. já fico péssimo em três por quatro de carteirinhas de clube. já fico triste em fotos de casamentos e batizados. quanto mais naquelas enormes, de uniforme impecável da empresa, com aquele sorriso amarelo mais falso que uma nota de três e cinqüenta.
empresas gostam de estímulos e incentivos como as de equipes. uma coisa de guerreiro. você pode, você consegue, vai lá garotão, eles dizem. sejamos um time vencedor. nunca vi um time elejer o jogador do mês. da onde tiraram essa idéia? foto de jogador do mês só nos meus tenros álbuns de infância. nunca consegui completar o álbum inteiro. não faz sentido. não é esse o sentido do álbum. completá-lo é apenas uma distração, um pseudo-propósito. um engodo, de leve. toda a troca das figurinhas, com amigos e estranhos; todo o dinheiro poupado e a corrida em bancas diversas; bater bafo e surrupiar na jogatina é que dão o tom da coleção. acho que a vida é assim também. sem buscar lacunas para preencher: família, esposa, trabalho. todas as trocas que se dão nesse meio termo, o que a gente poupa e gasta, o que a gente surrupia e aprende a perder é o grande barato. ou não. de repente, desço no meu ponto. e ali está meu chefe me parabenizando e me dando uma poltrona mais alta e macia pra eu sentar. me afogo e me perco no meu orgulho. aquela me liga e marca da gente sair. e já agora cobro dos outros e já esqueci tudo que eu pensei. minha natureza passa quilômetros de distância das minhas metas éticas.
peço mais uma. dou um gole grande, e mesmo dizendo para mim mesmo que não estou ligando pro que elas estão pensando, e sim, estou ligando, estou ligando até para o que o guardador de carro da outra calçada está pensando, eu levanto e vou conversar com elas.
la-le-li-o-lá. ta-te-tu-do bem? po-pa-posso sentar? gaguejei tanto que tive que pedir um conhaque. sorte que elas eram simpáticas e solteiras. azar que Dionísio me abandonou e beber ainda me dá uma diarréia triste.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

sobre cachorros, mendigos e baratas.


ele me fascina. ele consegue ser o melhor no que se propõe. ele realmente é o pior. parece que escolhe a dedo. a mais gorda, a mais feia, aquela com uma pinta peluda perto do lábio. aquela que sobra, que ninguém quer, que é mais fácil ignorar que um cachorro perdido na estrada. ele gosta de cachorros. ele até se parece com um. sem o menor pedigree, lógico. ele chega junto com seu cabelo bonitão, ele dança, pega no seu braço e a beija. no dia seguinte mostra a todos o que aprontou. a gorda, a feia, a garota com uma barata na cara. jogaram ele no lixo de latas. todas vazias, sujas e desprezadas pelos bêbados. ele mergulhou lá. não quis sair. gosta do lixo das latas. gosta de ser sujo e se misturar naquilo que não tem valor. ele não tem auto-estima, ele não tem ambição. ele apenas se arrrasta com sua moral mutilada. as pessoas riem dele. eu rio muito. ele gosta de pular e beber e beber mais e pular mais. frenético e insuportável quando bebe. quando se coça as pessoas vão à loucura. quando se coça dormindo e leva tapas na caras o êxtase toma conta da turma. são fotos tiradas, vídeos filmados. todos quererm tirar uma casquinha daquele mendigo. ele é sujo e se coça. ele faz tudo de coração. tem um coração grande, tão grande que cabe até as gordas. não se importa com cachorros, sujeira ou baratas. ele as beija.