domingo, 16 de setembro de 2007

sábado

o dia-seguinte sempre são iguais. mesma ressaca, mesmas parcas escassas lembranças, que, aos poucos, vão constituindo um mosaico do que veio acontecer nas últimas vinte e quatro horas. a princípio era um churrasco de aniversário, daqueles típicos churrascos de paulista onde a carne é menos relevante que toda aquela cerveja, batidas, vodkas e o povo se lambuzando com aqueles queijos quentes, e som alto, e garotas procurando garotos, e garotos vomitando por aí. duas mordidas e uma encoxada: acho que saí de lá no lucro. levei comigo meu drink e uma boa dose de auto-confiança de bêbado. cheguei na outra festinha, agora esta era cult, todo mundo sentado, povo mais velho, música boa e baixa. cumprimentos em geral, sendo indiscretamente agradável nos primeiros cinco minutos. sapequei de olho grande umas gatas no fundo e peguei minha cerveja. falei minhas bobagens de sempre, tomei mais uma cana, fiquei etilicamente sensível: elogiei um vestido e praguejei contra qualquer bobagem do nosso país. talvez eu tenha dito algo engraçado, porque a mocinha ria comigo, enquanto eu enchia meu bolso de confetes de chocolate. lembrei que ainda tinha outra festa e meu compromisso social me fez sair pela tangente, deixando beijos no ar e com certeza nenhuma saudade pra quem fica. lembrei de pegar mais uma lata, mas esqueci de perguntar o nome da garota. contatei um amigo, e, em vão, fiquei a esperar um ônibus que não veio, o que me fez voltar pra festinha em busca de uma carona. sempre fui cara-de-pau, mais meia dúzia de latinhas de cerveja e alguns drinks coloridos reforçam minha vocação pra pedinte. minha sorte que nunca me abandona conseguiu uma carona que me deixou a quatro quarteirões de descida até a festa. dois ou três telefones e entro à direita na rua certa. eis que a festa já havia ficado morna, mesmo com todo aquele frango e cervejas em baldes de gelo. alguém quebra alguma coisa, alguém fica puto, alguém recebe um esporro, e êpa, esse alguém é um conhecido meu, e quem sabe se eu não tivesse tão ocupado extingüindo o buffet de salada eu saberia ao certo o que tinha contecido. me retiro por consideração e na expectativa que a noite continuasse. era madrugada e não havia ônibus nem metrô. havia quatro quarteirões de subida e mais um quilômetro e meio de avenida. conheci um cafetão uruguaio e um inferninho que não era vinte e quatro horas. nos despedimos num ermo ponto de ônibus e segui sozinho para a matriz de toda criaturagem. sozinho porque é assim que as coisas acontecem. deixo praticamente todo meu dinheiro no taxi, e entro sem volta no mundo da gasolina em embalagem de vodka. está normalmente escuro e uma garota, daquelas que funcionam bem às três da manhã num ambiente que prescinde de visibilidade, vem conversar comigo. era uma figurinha carimbada, mas não completamente. não precisou de muito pra começar explodi-la no fundo da balada. às luzes se acendem e tudo pode acabar se eu recusar atravessar a cidade de ônibus e resolver dormir em casa como de praxe. pego duas conduções, vou em pé, vejo trabalhadores, e senhoras esquisitas. ela cumprimenta alguém no ônibus, alguém que exagerou e está passando mal. trabalhadores e suas mochilas, senhoras esquisitas e suas perucas.
leva quase quarenta minutos pra chegar, contando com os dez minutos de passeio a pé por aquele bairro completamente desconhecido que provavelmente você, no caso eu, nunca mais voltará lá. era um belo domingo ensolarado. era bom pra passear com o cachorro, conversar com o vizinho e dar uns tapas no jardim. mas essa vida, ainda, não é para mim. enquanto estou acordado, enquanto a músico é alta, nós sabemos que há perspectiva de alguma coisa que não vai passar em nenhuma coluna social. chego num muquifo, depois de três andares de degraus, onde um gato preto me enchia o saco. pra toda aquela bagunça ela jurava que estava de mudança, e eu jurava que era a última vez que eu fazia aquilo. fez uma pergunta tão estúpida sobre preservativos que ganhou louros da ignorância em meus pensamentos.
o gato foi parar no chão, e aquela idéia de música arruinou qualquer possibilidade de sustentar um ambiente ou criar um clima, apenas contribuia para minha desconcentração, que apanhava covardemente do meu sono. bem... devo ter dormido uns dez ou vinte minutos indesejáveis ao lado dela. levanto, me visto, pergunto qual o ônibus da volta. dou uma sapecada infeliz como naqueles filmes do Neville d'Almeida e me despeço.
está quente, estou sentado e com muito sono, dividindo um ponto de ônibus com uma senhora e um cara. o trolebus passa, famílias entram pelo caminho e agora já estou na sé, e são quase nove da manhã quando despisto a catedral, e em mais uns cinco minutos de rápidos passos chego ao meu ponto, onde sou agraciado com mais uns quinze minutos de espera do próximo ônibus. entre trabalhadores e meninos de rua eu tomo meu sol e penso em arranjar um emprego e quem sabe começar a cuidar de jardim.

sábado, 1 de setembro de 2007

quente é um morno psicótico e o morno é um quente apático, o que me leva a crer que o frio é o mais equilibrado psicologicamente


refém do celular. mando mensagens para mim mesmo numa tentativa estúpida de preencher, com a matéria mais insubstancial, o vazio que prevalece. a solidão é um privilégio apenas da sabedoria, e para todos aqueles onde o silêncio sustenta a vibração da tua própria respiração e a sensação do teu coração batendo, então este é o barulho mais alto e atordoante, a temperatura mais fria e dilacerante, onde as paredes longes e caiadas permeiam seus caminhos à distância. os livros não soam mais alto que o barulho lá fora. teu pensamento te cega e te surda.
meus olhos juram e me enganam sistematicamente. se aproveitando de meus ensejos, desejos e ensaios, saio pela tangente, corro, escapo, e me calo. me assusto. o tato é mudo. paladar é ansioso, apressado, irresponsável. minha audição promete se comportar. o autismo auditivo é um dos sinais mais proeminentes da psicose. celulares que tocam e você não atende ninguém. pessoas que te chamam mas elas não estão lá.
o que te faz diferente é só a tua honestidade contigo mesmo. esquece o teu cabelo e o casco de qualquer coisa. a tua diferença não se vê, porque parte lá de trás, lá de dentro. só aparece na ponta da superfície bem depois, depois de consolidada. é o modo como você segura o travesseiro; o jeito como cospe depois de escovar os dentes; a forma como você dá boa noite para sua pessoa querida. as pessoas não te ligam porque eles já ligaram pra você e estão ligando pra você nesse exato momento. você não existe, percebe? e quando existe está esparramado em várias formas e pessoas. o que você é, é apenas uma percepção vaga daquilo que você começou a exportar e recebeu de volta. podia ser um bilhetinho de Natal, podia ser o reflexo do espelho do elevador. a excrecência, me perdoe, é o que te dará a dica da tua essência. com a maior autoridade.
e a tua?
a minha?
só essa vontade de ser promíscuo que não passa.